sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Leituras O Ser Humano (III) A Razão

Leituras do Ser Humano(III) A Razão I. - Introdução São evocados sete conceitos fundamentais que disponho nesta ordem: Primeiro a Eticidade, seguido dos restantes, Liberdade, Sabedoria, Verdade, Progressão, Tolerância e Solidariedade. Estes valores são Supremos e dignos de toda a reflexão mas impõe-se começar pelo princípio, ou seja, pelas pessoas pois elas são a origem e o destino de todas as nossas preocupações. Se não houvesse pessoas a quem interessaria o mundo? À continuação propondo uma leitura pessoal, particularmente, sobre o aperfeiçoamento, ou seja, da possibilidade de o realizar, leitura que submeto a parecer. Esta leitura, necessariamente, cruzará domínios dados como pertencentes às ciências da psicologia, da sociologia, da antropologia e quiçá de outras, porém, todas, até meados do século XX, foram ramos da árvore da filosofia. II. - A Razão No texto Outubro de 2008 divaguei sobre a trivial e transtornadora manifestação comum da «mentira» e, na de 6 de Maio de 2009 sobre o Aperfeiçoamento do Ser em geral. Hoje, persisto no mesmo rumo, procurando esclarecer qual a influência da Razão no aperfeiçoamento do Ser Humano. Todas as interrogações sobre a Razão procuram respostas adequadas à descoberta de um modo de vida que atenda e considere como prioridade a simplicidade da realidade humana em oposição à incongruência irracional da sociedade normativa. II.a - Qual o poder da Razão? A Razão é por si suficiente para obter o conhecimento? Para os racionalistas é suficiente. Para os empiristas sem observação não há conhecimento. Provavelmente, a mistura da observação com a razão é a resposta justa, como defende Kant com o conhecimento a priori, sobre o não observável. (Exemplos: os matemáticos argumentam a favor do conhecimento a priori com o cálculo de 2+6=8 que realizamos sem referir um objecto em concreto; os lógicos defendem que se A implica B e se B implica C, então concluir que A implica C é intuitivo e, os metafísicos afirmam que nenhum objecto físico pode ser branco e preto ao mesmo tempo). Vejamos no que diferem: Pela razão pura ou plena podemos ter o conhecimento de que 2+6=8, ou podemos ter conhecimento de uma Forma do Bem, como a generosidade em si; pela observação uma pessoa pode parecer generosa, na realidade, não sabemos se ela é generosa. Pela observação, podemos crer que deixamos o nosso carro na garagem. Ele pode entretanto já lá não estar. Alguém o levou. Na realidade, em qualquer caso analisado a fiabilidade do conhecimento não é absoluta. Portanto, enquanto o ‘conhecimento racional’ é a nossa razão plena ou pura a responder ao mundo, o ‘conhecimento pela observação’ é a percepção dos nossos sentidos a responder. O conhecimento mais fiável ao nosso alcance é a inaticidade dos sentidos comuns a todos os seres. É pelos sentidos que o Ser Humano é genial, músico, pintor, poeta, filantropo. É dos sentidos a emanência do Impulso de Sobrevivência que sustem a vida. A razão é o leme, os sentidos o barco. II.b – O Quando e o Como da Razão No inicio da prancha de 6 de Maio de 2009 assumi que só os dados recolhidos pela observação directa na convivência com animais asseguram que a diferença cladística entre os racionais e irracionais se baseia no facto aparente de os primeiros pensarem, ao contrário dos segundos. E é legitimo inferi-lo só porque os segundos não congeminaram uma gramática para se entenderem, nem construíram fábricas para satisfazer necessidades aparentes? Subsiste alguma dúvida de que todas as espécies se entendem entre si por sinais e sons? Ou que não sabem fazer as suas próprias habitações? Ou que não sabem cuidar das suas crias com o mesmo zelo dos seres racionais? Por estes motivos nenhuma conclusão depõe, definitivamente, a favor dos primeiros. É apropriado o sentido do categorema aristotélico: noção geral relacionada com os modos gerais pela qual uma coisa pode ser enunciada em relação a outra; no geral tanto racionais como irracionais são enunciados pelas semelhanças gerais. Também a aprendizagem de uns e outros se processa pelo método da repetição. David Hume defende esta perspectiva nas suas 'Investigações sobre o Entendimento Humano' em 1758. Posição semelhante já tinha sido assumida cerca de 1710 por Malebranche e, mais tarde, em 1934, por Bergson, no seu 'Pensamento e Movimento'. Nascido dotado da potência de apreender para além do determinismo causal atribuído aos outros mamíferos que «fazem o que devem». Liso de conhecimento como uma tábua onde nada está gravado, no dizer de John Locke, prefiro comparar o recém-nascido a uma folha de papel em branco onde nada está escrito. A aprendizagem sendo progressiva não significa que todas as potencialidades físicas e intelectivas se desenvolvam ao mesmo ritmo, modo e alcance. Provavelmente, essas divergências rítmicas, modais e alcance de algum modo explicam a longa aprendizagem para dominar os mesmos impulsos e sensações que enclausuram todos os outros animais de mais curta aprendizagem e menor abrangência. Logo, os seres humanos nascem com diversas capacidades em potência, isto é, capacidades específicas que requerem exercício para consubstancializar o seu desenvolvimento; não nascem racionais, mas com a possibilidade de serem racionais. II.c - A Razão Necessária e Contingente Em filosofia, a verdade distingue-se entre necessária e contingente, nunca em simultâneo: quando é necessária não pode ser contingente. A verdade de 2+6=8, não pode ter sido de outra forma, logo, é uma verdade necessária. A verdade que reproduz a maneira como a realidade se manifesta pode ter sido falsa: existimos, porém, podemos nem sempre ter existido, logo, é uma verdade contingente. Neste caso, compete à razão plena dar a saber o que a observação por si só não dá, ou seja, o conhecimento de necessidades e do que é e não pode deixar de ser o que é (2+6=8). Esta era a posição dos racionalistas, a razão plena podia conhecer a substância dos objectos. Se, pela razão plena a priori podemos conhecer a operação 2+6=8 sem dirigir-se a nenhum objecto concreto, podemos de igual modo conhecer a priori os factos que sucedem no mundo? Há quem defenda possuir esse conhecimento, como é o caso dos crentes na existência de Deus. Mas pensar numa coisa significa que ela exista? Pode conhecer-se a priori uma pessoa sem experienciar pela observação que pessoa é? Mesmo em Descartes, modelo dos racionalistas modernos, o método da dúvida está no cerne da sua teoria metafísica, o que é ser-se pessoa. Por esse motivo garante que a tradição pode levar-nos a aceitar o falso. Aprendemos a distinguir a necessidade da contingência na experiencia da vida e descobrir a capacidade do Ser humano vai para além dos esquemas redutores das concepções correntes. Não cabe aqui seguir todas as pontas e interrogações levantadas, ficarão para outras oportunidades, porém, posso afirmar, o ser humano possui a capacidade de aceitar o limite de acessão da sua compreensão ao conhecimento infalível, de viver a vida capturado nessa limitação e na suspeição entre a verdade da Razão plena (inobservável) e a verdade contingente da realidade III. - O Impulso de Sobrevivência Contudo, é no aspecto biológico que o Ser humano é mais vencedor: desde que disponha de água sobrevive em qualquer clima, multiplica-se sem limite e não necessita de competir com as outras espécies. As actividades que desenvolve e o fazem grande vencedor são resultado dos mesmos impulsos e paixões que assolam todos as outras espécies de mamíferos. Biologicamente, verificou-se que a procriação, gestação e crescimento do Ser Humano é idêntico entre os mamíferos de igual locomotividade: são muito poucos os que dispõem de tão longo período de aprendizagem após o nascimento. Por exemplo, os gatos, nascem cegos e surdos, mas apenas por 9 dias e em cerca de 8 meses ficam aptos para procriar. Os potros são apartados aos 5 meses, aos 24 começam a ser treinados para as funções destinadas e prontos a procriar aos 30. A aprendizagem sobre o uso das partes física e emocional realiza-se em simultâneo e, praticamente, orientada pela progenitora. Já nos humanos o início da procriação só surge depois dos 12 anos e a aprendizagem, igualmente de dupla vertente, estende-se por um longo período. Estas fases decorrem no espaço parental e cultural da comunidade pelo tempo necessário à emancipação e, de alguma maneira, condicionadas pelas condições de vida na região geográfica de abrigo. Apoiado na Razão, o impulso de Sobrevivência ultrapassa impossibilidades aparentes, concebe meios e instrumentos com os quais supera debilidades e vence outros animais de qualquer espécie. Ele fogueia, agricultura, ferramenta, fala, escreve e coopera entre si. É neste domínio da cooperação que é menos vencedor. Sem nos determos nestes aspectos, pode afirmar-se todos temos a noção da complexidade das sensações e como o seu domínio exige discernimento sobre a origem e as consequências de uso incerto. O estudo continuado das sensações, ao pretender não apenas o seu entendimento mas também adquirir a noção de como as regular com o exterior, tanto interessa à pessoa como à comunidade: é um exercício Ético. Em presença do embate entre os impulsos e paixões e a inteligência, a ética e os seus códigos morais - aprendidos no seio parental - actuam como agentes cívicos de regulação. Se só houvesse impulsos ou só inteligência, então não haveria lugar para a ética. O impulso puro é cego do mesmo modo que a razão pura o é. A acção é instintiva e age na defesa da sobrevivência sem ajuizar consequências. Na razão a acção é cega do mesmo modo que a extraordinária máquina informática dos Serviços de Identificação Civil: cidadão não registado simplesmente não existe. Falta à máquina o tipo de reconhecimento que só a emoção permite. Não basta ser visto para ser reconhecido, defende Berkley. É o que sucede no filme The Terminal em que Tom Hanks interpreta a odisseia de um indivíduo indocumentado, retido no terminal de um aeroporto, e dado como desconhecido, logo, não existia. As pessoas reconheciam-no e cuidavam dele, mas a máquina informática não; logo, que fazer? O que é então um Ser humano? Um registo de fotografias e impressões digitais? Do que estamos falando quando dizemos Ser humano. Para todos é evidente que o Ser humano não é apenas isso, mas conforme exposto, acrescento que o Ser humano é mais do que um corpo vivo e pensante, ele é, no limite, aquilo que puder conhecer e a filosofia é o meio de o conseguir e de melhorar a compreensão geral. O desafio à Razão para satisfazer as contínuas exigências de rentabilização exponencial das estruturas produtivas complica a vida, esgota o tempo, quebra o equilíbrio harmónico entre o impulso e a razão e dificulta a decisão na altura de tomar a atitude adequada a cada situação. Resta ao Ser humano o Impulso da Sobrevivência… IV. A Ética O meu especial interesse em aprofundar as possibilidades de concretização da utopia do «Aperfeiçoamento Intelectual do Ser Humano» conduz-me, obrigatoriamente, a esta abordagem. Para Russell a Ética é o hastil que equilibra os braços da balança: o Impulso de Sobrevivência de um lado e a Razão do outro. Se o Impulso de Sobrevivência é inato não há maneira de o aperfeiçoar para além do que já é. Apenas conduzi-lo como o piloto o navio. No que à Razão concerne, Aristóteles afirma que alguém jamais se queixa de lhe faltar ou de não ser dotado suficientemente. Então, de algum modo, também a razão é inata, ou seja, a capacidade de comparar e decidir o mais conveniente. Como a balança dispõe de uma escala de valores e os binóculos de um ajuste de imagem, a Ética dispõe de valores morais de graduação das inter-relações e destas com o mundo exterior. Esta graduação, não implica nem rigidez nem maleabilidade moral excessiva, é ditada pelo superior interesse da pessoa humana, segundo o axioma: o que é bom para uma, necessariamente, é bom para todas. A Ética é, portanto, um conjunto de normas morais identificadas no Ser humano pelo próprio Ser humano; resulta do estudo e do conhecimento das sensações pela Razão que se ocupa em defini-las no pressuposto de sua compreensão revelar o guia equilibrado para o bom viver que anseia. Se duas ou mais pessoas divergem sobre o que seja desejável, existirá algum meio de concluir quem tem razão? Por exemplo, a escravatura: aceite sem discussão, tão antiga como a história, mesmo depois de concluir-se que o mundo seria melhor sem ela, ainda exigiu um século de controvérsias para se ilegalizar. Que tem a dizer a ética sobre essa atitude? Três espécies de divergências dominam: a divergência fomentada pelo desacordo dos meios mas não dos fins; a divergência pela defesa de acções dadas como intrinsecamente más por uns e a recusa da existência da maldade intrínseca por outros; a divergência quanto aos fins que devem visar as acções humanas. Se na política e na técnica estes tipos de divergência são concomitantes, em teoria é importante separá-los para análise dos interesses em causa: Todas as actividades humanas remuneradas estão abrangidas na disputa dos interesses revelados nestas divergências. Em Ética, esta questão não é polémica face à decisiva recusa da escravidão e não apenas quanto aos meios e aos fins: se não é boa para um, de igual modo, não é boa para nenhum. V. - A Ansiedade do Ser Detenham muita ou nenhuma riqueza, a extensão do acordo entre os seres humanos nas queixas contra a injustiça e iniquidade revela larvar e contida insatisfação. Por si, a beleza física, os bens materiais ou culturais não extingue o sentimento de anseio por algo melhor, que defino como felicidade. Portanto, o mesmo Ser que auto se determina origem e destino do aperfeiçoamento, anseia perceber o porquê da insatisfação ou infelicidade que o amargura e, ao mesmo tempo, não abandona a intransigente defesa da convivência inter-relacional. Amargurado, mas não inimigo do outro. As causas, porque são mais de uma, parece não se encontrarem em motivos apenas externos, apesar de as haver e contribuírem para o estado geral de ansiedade. Kierkegaard encara a ansiedade como um estado de angústia que considera dado fundamental e irredutível da existência, e prova da 'possibilidade'. A ‘possibilidade’ é a liberdade humana expressa na atracção simultânea pelo desejo e pelo medo, coincidentes com a angústia moral do medo da morte. A «experiencia virtual do indeterminado». Não parece que a forma de morrer gere o medo da morte, qual seja, mas é antes a sensação de perda, de participar activamente na experiencia da vida, de não poder continuar a desfrutá-la. Pois, se não há nada para além da morte... Sarte reúne estas vocações numa só, descrevendo-a como «prova da liberdade humana e da apreensão do nada». Considerando estes doutos postulados como aceitáveis, julgo que a nascente haja algo mais que perturba o Ser humano e lhe reforça o sentimento de ansiedade angustiada, ou seja, a questão primordial: que somos e para que servimos? VI. – Será possível aperfeiçoar intelectualmente a inaticidade Humana? O impulso de sobrevivência e a potência da Razão são conaturais e presentes desde o nascimento, daí a sua inaticidade. A ciência não sabe explicar porque são assim nados. Em última análise a origem dessas potências ingénitas são dotes seus, irredutíveis e intransmissíveis. A aprendizagem da criança decorre sem esforço visível, no sentido de se tornar semelhante àqueles que cuidam dele. Durante o aprendizado a experiencia cresce-lhe e ‘engrossa-o’ como em camadas, do mesmo modo que as árvores crescem e engrossam. As experiencias sensitivas da relação entre o corpo e os objectos exteriores parece que se memorizam cerebralmente mas também um pouco todo o corpo. Jean-Jacques Rousseau defende no seu 'Emílio' a forma que considera ideal para preparar a inteligência dos jovens. Sem reproduzir aqui o seu vasto pensamento, destaco como defende a importância de as crianças serem libertas de obrigações sociais e escolares até aos 11 anos, idade em que por moto próprio são elas que querem saber. Nesse impulso, que o autor considera fundamental para o seu desenvolvimento, a criança abandona a posição passiva de acatar ordens para passar a ser atraída pelo modelo do adulto, até aí esquecido e, inesperadamente, exige ensino. Essa exigência difere a aprendizagem forçada em locais fechados, sujeita a disciplinas e ordens que não entende, a que obedece para evitar castigos ou privações. Rousseau garante que uma criança criada nestas condições será um cidadão inteiro, de pensamento aberto, de forte consciência cívica e preparado para aplicar o mesmo modelo de educação nos seus filhos. Outros autores defendem este modo de educação, deixar as crianças revelarem as suas tendências, preferências naturais e capacidades na própria sustentação da vida. Opostamente, veja-se como na sociedade as pessoas são arrumadas em caixas empilhadas de espaços reduzidos, activas 24 horas, amarradas a horários, afinal, uma vida fora do ritmo universal do nascer e por do sol, impedidas, violentamente, de desenvolverem com harmonia as suas naturais aptidões humanas quer no seu interesse quer no da comunidade. O 'Aperfeiçoamento Intelectual de Todos os Seres Humanos' é mais do que uma possibilidade, se aplicado desde o início da vida. Depois de adulto, só uma grande vontade apoiada num forte interesse, pode melhorar ou modificar em muito pouco os seus hábitos intelectuais. Sob qualquer prisma que se olhe este Aperfeiçoamento será sempre um esforço problemático para o Ser que se empenha e não menor para a sua comunidade. Algo aprendemos com a tragédia grega: o parecer em vez do ser. A comunidade começa por ser uma família e muitas constituem uma sociedade. É na família que se deve concentrar todos os esforços de aperfeiçoamento do intelecto humano, não apenas pela família, mas fundamentalmente, por parte de quem tem a confiança dos cidadãos para o fazer. VII. – Conclusão Observámos como os humanos reagem pelas sensações e como em simultâneo com a Razão aprendem a dominá-las. É a planta que se coloca no vaso com determinadas dimensões, com determinada terra, com determinada luz e determinado espaço aéreo, neste conjunto de condições externas cresce natural e por si mesma, e o resultado final reflecte-se na qualidade da planta e na cor da flor. A realidade que a natureza nos revela é simplesmente esta. Não há outra. Nada mais há para além desta. Aqui o Ser humano diverge dos outros seres ao possuir mais capacidade de reter em memória todo o tipo de sensações e paixões e de conhecer como dominá-las pela razão, sob a orientação gradativa da Ética. Logo, se o Ser humano é o resultado de um longo e continuo aprendizado, significa, em primeiro lugar, que se torna um produto criado e influenciado pelo seio parental, comunitário e escolar e, em segundo lugar, pela sua actividade e pelas sucessivas condições de adulto, pai e avô. Se o Ser humano atravessa todas estas condições, como é possível sumariá-lo numa fórmula cladística social? Ou seja, ao não poder sumariar-se todo o mundo oculto que em si encerra, nem as experiencias e inter-relacionamentos que a sua prodigiosa capacidade recordatória abriga, não há limites para as possibilidades de o Ser humano nos surpreender. Perante esta impossibilidade, como pode a sociedade catalogar indivíduos? A sociedade escolheu como aferidor do valor do Ser humano, pasme-se, o dinheiro. Para ela, quem muito dinheiro tem muito valor tem. Para terminar esta leitura sobre a possibilidade de ‘Aperfeiçoamento Intelectual de Todos os Seres Humanos’ devo lembrar as notícias dos últimos anos que mostram como nesta sociedade o dinheiro é obtido. Por isso, atente-se, não usei o termo ‘ganho’. Os valores humanos Éticos nada significam neste tipo de sociedade. Todavia, não estamos desanimados, pois já sabemos qual é o tipo de sociedade que desejamos substitua esta: Será aquela onde a Liberdade, Igualdade e a Fraternidade terão valor real efectivo e prática corrente.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Contemplação 1

Contemplação 1 O homem é uma coisa entre as muitas coisas que provavelmente existem pelo mundo, com as quais supõe contactar através das sensações. E quais as sensações que marcam definitivamente esse contacto com o mundo? São, irredutivelmente, o tacto pela pele em contacto permanente com todo o meio ambiente e a visão. A consubstanciação plena do mundo é realizada no nosso espírito pela visão que a ele chega através do órgão. A visão, misteriosamente, até nos fornece aproximações de todos os outros sentidos: é assim com o cheiro, olhando um cadáver animal instintivamente afastamo-nos evitando o cheiro como se o estivéssemos cheirando, o do paladar, perante um prato de comida, igualmente a sensação do peso e do tamanho de um objecto e o ouvido que nos dá a origem dos sons para onde o olhar se volta imediatamente. E também a noção do perto e do longe. A nossa visão não penetra no mundo, mas é o mundo, a luz do mundo com todos os objectos que ele comporta que vem até ao nosso espírito, como quando se abre uma janela e tudo o está lá fora nos é visível. Logo a contemplação, deverá ser um exercício do espírito sobre si mesmo, sobre os dados sensitivos já guardados. Se a nossa visão não penetra no mundo, então nunca saímos de nós. Tudo acontece visto da «janela». Quando a janela está cerrada, não vimos nem sabemos o que se passa lá fora. Tal como no sono. Imagine-se a superfície exterior do nosso olho, como a superfície exterior do vidro da janela. Quando nos afastamos da janela só vimos no exterior aquilo que cabe na área vidrada da janela; quanto mais nos aproximamos da janela, o exterior vai-se ampliando e alcançamos o panorama máximo quando encostamos o nariz à janela. Não saímos da janela para olhar os lados, tal como o nosso olho não sai da órbita para olhar mais para o lado. Esta limitação fisiológica é superada pelos movimentos laterais e verticais da cabeça. Então, podemos talvez, com alguma evidência, aceitar que a visão não penetra, antes é penetrada, logo, a contemplação só ocorre no nosso espírito. Isto será comparável com um livro? Só podemos ler o que lá está escrito, porém, cada pessoa que o lê encontra-lhe interesses em muitos sentidos. Daí a riqueza de interpretações que se fazem dos mesmos textos. Por exemplo, dizem que há mais de mil religiões que garantem serem verdadeiras porque se apoiam na interpretação correcta dos textos sagrados da Bíblia. Todas garantem interpretarem justamente os textos. Se assim é, então no caso da contemplação, cada um contempla e interpreta segundo as experiencias e saberes que acumulou no espírito, ou alma, ou memória ou mente. Como é possível harmonizar tantos conteúdos? Como realizam os budistas a contemplação? Quem me pode ajudar sobre esta questão?

Reminiscência... 3

Reminiscência… 3 O cacilheiro deu as suas costumeiras apitadelas de aviso de partida. Soltaram as amarras e o motor acelerando, puxou-o, desatracando-o do pontão. E lá segui rio adentro. O movimento suave convidada a recordações. Há anos que diariamente fazia aquele percurso, acompanhado com praticamente os mesmos rostos. Preocupados. Apressados. Sonâmbulos àquela hora da manhã. O medo acompanhá-los-ia na vigília? De naufragar? Todos têm presente um acidente na década de trinta com muitas vítimas. Ou ignoram? Mas têm medo. Que suscita o medo? O ruído regular da proa cortando as águas que espumosas correm ao longo do barco? Proa subindo e descendo suavemente sobre o casario da cidade ao fundo que lentamente cresce, cresce. Vem na nossa direcção, aproxima-se mais e mais. Que vimos? Por que ondula a água do rio? Naturalmente, porque é viva. Logo move-se. Mas porque assim? Ondulante?
Seguindo… No deserto. Nada tem interesse. O centro da vida e do mundo está ali. Como a borboleta ao redor da luz. O fulgor humano do contacto que se almeja e teme. Que dizer? Olhar. Só olhar. Numa admiração sem limites. Contemplação do rosto imortal que se deseja e teme perder. Dele imana atracção. Arrebata. O olhar escuro. Não me deixa. Não o quero perder. Não quero. Que fazer? Como guardar? Como ficar? Que dizer? Ruídos e mais ruídos. Todos fazem ruídos. Logo eu também. Que digo? Não sei. Terá interesse? Pelo menos a luz ilumina-me. Que belo. Que prazer. O tempo corre. Não podes ficar mais. Corres o perigo de cansar. Vá. Anda. Pensa uma próxima. Para voltares a temer que acabe. Para voltares a inventar causas. E o tempo voa. Imaginada luz que nunca te abandonou. Infeliz espírito. Às escuras anos e anos esperando a materialização da esperança. Volverei a ver a luz? Volverei, sim. Volverei a sentir. Que silêncio. Nele estou perpetuamente. Encontrei muitas luzes mas nenhuma como aquela. Atrai-me e faz-me sonhar. Sonhar com a felicidade. Estivesse onde estivesse, acontecesse o que acontecesse, dormisse o que dormisse, aquele olhar atrai-me noite e dia sem cessar. Viver. Que viver? Não sei. Estava bem. A musica encheu me. O som. A harmonia. Joga bem com o olhar. Mais luzes. Dá, luzes. Sim. É verdade. Luzes que não aqueciam. Luzes exigentes. Faltava lhes a doçura. O inebriamento. O amplexo. Assim entrei na vida adolescente. Falei para mim. Em silêncio. Falei para a luz. Em silêncio. E sempre recebia calor. Silêncio. Quente, dedicado, amante. Mas acorda. Não é assim que se está a passar. Que me importa a realidade? É assim que vivo. Que me sinto. Para quê ver o que não quero ver? É assim que quero viver. Qualquer coisa serve para alimentar o corpo. Quando a alma está insaciada. Trabalho. Sair para qualquer lado. Correr para qualquer lado sem ver para onde nem como nem o que fazer. Só contemplar a luz que não me deixa. Flutuar. Imaginar já a companhia. Vou, vou. Caminho ao seu lado. Está a meu lado. Ouve-me e aprova-me. Diz que sim. Que faço bem. E assim aconteceu. Nunca me abandonou esse rosto, esse olhar. O maravilhoso da vida foi sabê-lo sempre a meu lado. Mas isso é imaginação. Isso é sonho. Isso não existe. A esperança existe. E o a luz também. Onde está? Não importa. Se há aparecerá. Surgirá. Inesperada e confortante. Isso pode nunca chegar. Que importa? Se vivo. Quente. Animado. Confortado. E assim aconteceu. Surgiu. Alma iluminada como nunca sacia-se. Insaciável. Quer voltar sempre para a luz. Dissolver-se nela. Alma e luz numa só. Afinal sempre havia. Tinha de haver. Tudo que concebemos existe. Há que saber sonhar. Acreditar. O mundo existe. A luz também. A que almejamos também. Pode nunca encontrar-se. Mas que existe, existe. Esta aí. Resplandecente. Adorável. Encontrada a luz. Reencontrada a luz. Que fazer. Como não perder? A luz! Vida com luz. Que mais se pode desejar? Que bom. Mas como viver? Que há para oferecer à luz que esta não tenha? A luz é luz. Oferecer o obscuro silêncio? Questões? Poupa a luz. Para que não esmoreça. Para que seja imorredoura. Para que seja o que é: luz. Continuar buscando como não achada? Não, nunca mais. Ela existe. Não a podes perder, nunca, nunca mais. Mas como? Que tenho para dar? Que bom. Ocupar o tempo. Tempo. Tempo...

seguindo...